quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Crescer

pediram-te para crescer, tu anuiste com displicência, pensavas que o acto era natural e como qualquer momento da tua breve vida ele viria ter contigo. esperaste - e sem saberes ainda esperas - que a tua empresa se realizasse, até que na ausência de um sinal aquele que tinhas por "teu" mundo, hermético, impenetrável, começou a cobrar-te a promessa... a tua mente, ou o orgulho disfarçado, dizia-te que crescer era absurdo, porquê crescer se crescida já o eras?...a ambivalência entre a realidade e o pensamento acentuou-se, ao ponto de conflito.
agora andas perdida. tudo o que pensavas saber afinal não era e choras-te pela falta de rumo que pauta a tua vida... é desesperante.
tentas encontrar algo que te identifique naqueles que te rodeiam, aqueles que pela ordem da vida reconhecem o teu ser, pela convivência, pelo amor... aqueles que te chamam pelo nome próprio. mas deveras perguntas-te quem são, o que sabem, o que QUEREM?
ao invés cresce em ti a solidão, observas o nada com nostalgia, falta a ignorância, sabes? ela era a redoma que te protegia da verdade, da consciência, da responsabilidade... enfim do mundo.
continuam à espera que cresças, mesmo sob a ignorância da tua presença e do teu conflituoso relacionamento com o alter-ego. já não és a mesma pessoa, não és o mesmo discurso, não és a mesma pose, o mesmo carinho... sentem a tua perdição com a dor do aviso, ignoram a tua solidão pela omissão dramática que o teu corpo evoca, mas querem-te... como querem que cresças.
cresce criança... cresce e regressa ao teu sito.

to B.

BellaMafia

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Acordes

agito as mãos em gesto de descompressão, junto os dedos da mão direita aos pares da mão esquerda, falange com falange, estalo-os. fecho as mãos em punho, os nós ficam brancos até me soltar de novo.
pego na minha guitarra acústica Fender, negra - qual Johnny Cash - sinto-lhe as curvas, a madeira macia envernizada. olho para as tarachas cromadas, quais espelhos de um desejo e depois as cordas de bronze, passo suavemente o indicador pela primeira corda e faço-o deslizar... sinto a textura metálica sibilar pela divisão e pelo meu âmago.
agarro com a mão esquerda o braço da guitarra e abraço o seu corpo ao meu... somos um. coloco os meus sentidos sobre as cordas e pressiono-as contra a matéria, agarro a palheta e deixo-a cair sobre as cordas estranguladas por uns dedos agora desinibidos, numa dança cumplíce.
soltam-se os acordes.

BellaMafia

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Sonhar... o novo imposto

digo, não raras vezes, que sonhar não paga imposto. infelizmente, a vida e a verdade, um par de casamento difícil, têm-me exposto outras faces do pesadelo imposto. ele já não reside somente na forma de "papão" físico, exibe-se hoje o parasita como um obstáculo de proporcões crónicas à criação. já não consigo sonhar sem pensar no instante que me cobrará o acto...
levaram com a inocência o sonho, aquele que pelas palavras do póstumo Zeca Afonso, devia ser uma constante da vida. palavras sôfregas por subsistir na progressiva inconstância da vida de perdição, onde os benditos se compram com créditos fáceis - hipócritas - que singelamente conduzem a existência à descrença na instituição desejo.
vejo morrer lentamente uma parte de mim... vejo-a morrer ás mãos de uma sociedade sedenta, cega pela posse.
sonhar não paga imposto?
sonhar é a nova analogia ao crédito mal parado... ao juro e ao imposto.
enfim... como a morte, nada é tão certo.

BellaMafia