segunda-feira, maio 19, 2008

Sonhar muçulmano

estava deitada, inerte naquele manto de alcatrão molhado, à minha volta uma multidão transtornada procurava fazer do meu amor "infiel" uma lição para qualquer mulher, que como eu, ousasse amar outra pessoa que não a prometida. estava deitada, prostrada à vergonha da minha cultura, ou à falta dela. nos rostos daqueles juízes sem tribuna estava vincado o horror, a repulsa por ver uma filha do islão conspurcada pela natureza humana.
eu sabia o que a vida me reservara, a pena do meu amor era
ódio, violência... e enfim a morte.
Não se demoraram os pontapés no ventre e as pedras no corpo, gestos carregados de infâmia acompanhados de palavras cuspidas de ignomínia profunda, já não era mais do que aquilo que o nascimento me destinara... um objecto.
Dançava, agora, pelo chão qual ignota de uma sociedade sem castas, a dor física já só existia num lugar remoto da minha consciência, os meus olhos, vigias do castigo imoral, fechavam-se a cada penitência até que a exaustão acabou por conduzi-los aos pés empoeirados de uma menina, uma imagem igual à minha, o semblante da ignorância de quem não sabe o que é e o que será.
a morte chegaria em breve, via-a nos olhos da criança e sentia-a no âmago. foi naquele instante de regresso ao tumulto que vi a pedra no meu encalço, a última mensagem criteriosa, a última imagem de um mundo que não me viu nascer e não me iria ver morrer.

em homenagem a todas as mulheres que perecem pela a mão dos verdadeiros infiéis.
com tristeza e vergonha,
BellaMafia

3 comentários:

Anónimo disse...

Descrição e reflexão q.b., qual guião de curta metragem premiada.
Antológico!

osátiro disse...

Palavras certeiras.
No meu blog, já passaram 2 vídeos sobre lapidação de mulheres/adolescentes: no Irão e Síria.
Ficaria contente com a visita.
Cumprimentos.

Anónimo disse...

é revoltante saber que continuamos a assistir a situações destas...é revoltante ter que continuar a escrever-se sobre este tema, numa tentativa de sensibilização vã. boas palavras, boa descrição... Mais triste que ver a relação da amy winehouse e o micro no RiR.

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Sis